Objetivo

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Sobre o Drama

Certo dia, li um texto maravilhoso no encarte de um CD que, muito mais tarde, fui descobrir que o autor era Luiz Gasparetto, após procurá-lo incansavelmente na internet para postá-lo no blog (e eu o postei, é só procurar).
Dentre outras coisas espetaculares presentes naquelas palavras, havia esta frase: “Cada drama é só o nosso modo de ver”. Há muitos anos eu penso no sentido dessa frase. Há muitos anos eu me faço perguntas que só hoje começo a conseguir responder, lentamente.
Sempre ouvi das pessoas que sou dramática, e, confesso, isso sempre me aborreceu muito. As pessoas são extremamente egoístas, principalmente quando se trata de analisar os problemas dos outros. Os seus problemas são sempre problemões, os dos outros classificam como drama – foi sempre assim que eu pensei a respeito disso, no auge da minha rebeldia, sem perceber que, talvez, eu agia exatamente dessa maneira, supervalorizando meus problemas e diminuindo os problemas alheios.
Hoje, um pouco mais madura e depois de algumas experiências de vida desagradáveis que me fizeram sair do alto da arrogância e analisar a minha própria vida, afinal, para as coisas estarem saindo tão erradas o tempo todo não era possível que o problema estivesse apenas nos outros – deveria estar em mim também, finalmente fui capaz de compreender a frase do poema lido e conhecido há tanto tempo.
Quando algo de muito ruim me acontece, não aceitando o fato, costumo olhar para a vida de outras pessoas e sentir inveja delas, pois vejo que estão felizes e vivendo de maneira “perfeita”, quase como um sonho, enquanto eu estou sempre passando por tempestades. Penso, ainda, que tantas pessoas que merecem muito menos do que eu são agraciadas, enquanto eu continuo sempre na mesma. Até que eu comecei a descobrir que, na verdade, não é que aquelas pessoas têm vidas perfeitas e eu não, o que me diferencia delas é a maneira de encarar os problemas. Todos nós temos um fardo para carregar em algum campo de nossa vida. Coisas ruins acontecem com as pessoas o tempo todo, a dor invade o peito delas e o sofrimento chega forte e determinado, mas o que as fazem diferentes das demais é a classificação que dão à situação: fato da vida ou drama.
Ao encarar os acontecimentos como fatos da vida, a pessoa não busca um culpado, não questiona Deus, não se sente injustiçado e nem se debulha em lágrimas doídas e monólogos intermináveis de lamentações. É claro que ela sente o acontecido, principalmente porque estava envolvida e acreditando que tudo ficaria bem, mas procura acreditar que tinha que ser daquele jeito, que foi melhor assim, entrega nas mãos de Deus, sacode a poeira e segue a vida, tentando encontrar saídas e reconstruir o que foi perdido, ou buscar novos horizontes, se necessário. Enfim, a pessoa se reconhece como importante, não se culpa por nada e nem se importa em culpar ninguém. Ela sabe que precisa seguir em frente e que se algo não deu certo é porque deve ser feito de uma outra maneira e que sempre há outra alternativa para tudo.
Entretanto, ao encarar os acontecimentos como dramas, a pessoa simplesmente é incapaz de aceitar o que aconteceu, sua auto-estima está visivelmente abalada e ela se sente responsável pelo ocorrido, além de injustiçada e mortalmente ferida. Ela fecha os olhos para o resto do mundo, e enxerga seu problema como se fosse o maior que existe, se acaba em lágrimas, sofrimento, comida, bebida, drogas, qualquer coisa que seja um vício (os dramáticos sempre têm um vício, que, nesse caso, atua como desculpa para cometer insanidades), acreditando que o problema nunca mais terá solução e que ela sofrerá para o resto da vida. Com medo de que aquela dor nunca se acabe, se agarra na primeira coisa que lhe aparece diante dos olhos e se pareça com uma solução, e acaba conseguindo mais problemas para a sua vida. O dramático chega a ser irracional, culpa Deus, os outros e até mesmo a si próprio, tentando desesperadamente encontrar explicação para algo que, muitas vezes, é inexplicável, pois não consegue conviver com a culpa que sente, mesmo não sendo responsável por nada. O dramático fica tão cego de desespero que transforma pequenos fatos da vida em enormes problemas, e sofrem de maneira absurda, chegando até a adoecer.
E assim eu descobri que sou realmente dramática. Além de todas as características, eu fico doente e obcecada quando algo de ruim acontece na minha vida porque aquele novo fato me obrigará a buscar mudanças, a respirar novos ares, e eu simplesmente tenho pavor de mudanças. Sinto-me perdida e sufocada só de me imaginar tendo que recomeçar tudo do zero, tendo que correr atrás de novas experiências e ficando sujeita a novas quedas e arranhões. Sou fã da estabilidade, não é à toa que fui buscar colocação na carreira pública. O novo me assusta, me apavora, me cega. O velho, embora nem sempre bom e estimulante, é mais seguro.
Eu me desespero por antecipação. Eu sofro por coisas que nem mesmo aconteceram ainda. Eu vivo ansiosa, apavorada, amedrontada. Eu não consigo perceber que o que tem que ser nosso, sempre volta para nós. Eu não deixo a vida seguir seu curso. Mas só hoje eu estou conseguindo enxergar isso, após começar a dar ouvidos aos outros de maneira menos crítica e mais aberta.
Quando a dor do amor me invade e eu acho que nunca mais vou deixar de sofrer, penso na minha avó, que foi casada com meu avô por 34 anos, traída por ele desde o princípio, sempre sabendo e fingindo que não sabia, era completamente apaixonada por ele, privou-se de muitas coisas por esse amor, privou seus filhos de muita cosia por esse amor, para já na velhice, quando tudo deveria ficar estável e tranqüilo, ser abandonada por ele, que foi viver com outra mulher. Minha avó sofreu muito, ficou três dias deitada sem falar com ninguém e sem comer nada, emagreceu e sofreu muito, até decidir que tudo seria entregue nas mãos de Deus, para que Ele fizesse o melhor. Nunca fez desta história um drama. Todos nós achávamos que ela não sobreviveria sem o meu avô, e ela sobreviveu. Meu avô morreu há uns 9 anos, em decorrência de complicações renais, e minha avó está viva, com 73 anos, com fé e força e sempre acreditando que as coisas simplesmente acontecem porque têm que acontecer, que nada é por acaso, tudo tem um propósito maior, que às vezes só Deus sabe qual. Hoje ela enxuga as minhas lágrimas e me pede para não sofrer, que Deus sabe o que faz. Ela é um exemplo de vida, de superação e de fé. Não foi fácil para ela suportar, mas ela suportou. E hoje me ensina a viver sem ter medo do amanhã, me libertando da insegurança e da incerteza, encarando as coisas como fatos da vida, não como dramas. É um longo caminho, que eu quero aprender a trilhar, pois no final dele há um encontro inesquecível com a felicidade, aquela felicidade que ninguém pode nos dar além de nós mesmos: a felicidade interior...
“Eu não quero mais correr, vou cuidar do meu jardim” – principalmente porque hoje meu jardim tem uma flor rara e bela, que precisa da minha atenção e cuidados máximos. E eu preciso estar pronta para cuidar desta flor, para que ela nunca murche como eu já murchei algumas vezes na minha vida. Preciso renascer muito mais vezes e aprender muitas coisas ainda para poder ensinar algo a alguém. E hoje eu estou disposta a isso, sempre e quantas vezes for necessário. Não quero mais viver dramas, quero apenas viver em paz.

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