Eu não fazia a mínima idéia de onde estava. Minha cabeça estava confusa, eu não lembrava de como havia parado naquele lugar... eu estava em um sofá, em uma sala toda branca, esperando por sei lá o que. Foi quando uma grande porta se abriu à minha frente e alguém chamou por meu nome. Levantei e entrei sem nada questionar. Pude ver alguém sentado em uma grande cadeira, mas não conseguia ver Seu rosto, pois uma luz muito forte estava sobre Ele.
Era Deus. Estava com minha ficha nas mãos, e pelo tom de Sua voz, estava muito bravo. Em tom de bronca, acusou-me de não ter aproveitado a vida que Ele preparara com tanto carinho para mim, que apenas via lágrimas em meus olhos e tristeza em meu coração, ocupando o lugar da alegria e dos sorrisos que ele reservara para mim. Tentei argumentar com Ele que eu não sabia direito o que estava acontecendo comigo, mas que eu não conseguia sentir felicidade, que meu coração viva sempre angustiado e ansioso e que minha vida já não mais tinha sentido, mas Ele estava muito bravo, e pediu que eu me calasse. Disse que o que eu havia feito era imperdoável, e que Ele estava pensando o que faria comigo, pois, apesar de tudo, eu tinha muitos pontos a meu favor. Eu continuava sem nada entender, não sabia o que estava fazendo ali, estava confusa, assustada, me sentindo tão estranha... Ele, como que se lendo meus pensamentos, me chamou para perto de uma espécie de televisão, e me pediu que prestasse atenção às cenas.
Era um filme da minha vida. Vi a minha gravidez, as dificuldades que minha mãe passara e o quanto ela me rejeitou, mas vi também o momento em que ela passou a amar o ser que crescia dentro dela; assisti ao meu parto e pude ver a felicidade sincera em seus olhos ao me pegar nos braços pela primeira vez.
Vi meus primeiros passos, ouvi minhas primeiras palavras, pude rir dos meus tombos e dos meus erros ao falar, vi alegria nos olhos de meus pais ao ver sua filha crescendo...
Vi minha adolescência confusa, com meus complexos e medos, com meus sonhos e planos, e com a minha baixa auto-estima que sempre foi o vilão da minha vida. Revi todos os relacionamentos que vivi, com todos os seus erros e acertos e, confesso, foi estranho ver cada situação absurda em que me envolvi sem ter a percepção suficiente para evitá-las, mesmo percebendo que eram problema na certa. Revivi cada rompimento, cada dor que senti por cada um deles, ouvi minhas promessas de nunca mais amar e vi minha volta ao amor cada vez que encontrava alguém para amar.
Aquele filme parecia ter sido editado com os momentos mais importantes de minha vida, e vi todos os meus melhores risos e minhas maiores dores, até que, finalmente, a parte principal chegou... vi meu olhar de desespero, sem saber para onde ir, as lágrimas que não paravam de rolar por meu rosto, a garrafa de uísque sobre a mesa, ao lado das caixas de Lexotan ainda cheias, o medo misturado com a certeza de que estava fazendo a coisa certa, deixando para trás uma vida de dores e fracassos...
Abri a garrafa de uísque e tomei um gole, que desceu queimando minha garganta e meu estômago. Aguardei alguns instantes, até que ele fizesse efeito. Abri as caixas de Lexotan, juntei todos os comprimidos na palma de minha mão e tomei-os quase todos de uma só vez, com um grande gole de uísque. Não! Eu não podia ter sido capaz de fazer aquilo! Eu havia me suicidado? Eu estava morta? Tive a resposta após ver meu corpo inerte no chão, depois de algumas horas de agonia. Não havia ninguém para me salvar, eu havia alugado aquele apartamento e ido morar sozinha exatamente para que isso acontecesse, agora eu lembrava. Sim, eu havia cometido o desvario final, por isso estava ali. Ao constatar o que fiz, senti-me envergonhada diante do Pai.
Senti-me ainda mais vergonha e tristeza ao saber que quem encontrou meu corpo foi a minha mãe, após dois dias de tentativas frustradas de falar comigo ao telefone ou pelo celular... quanta dor trouxe ao seu coração! Suas lágrimas não cessavam e misturavam-se aos seus gritos de desespero. Como pude fazer isso com ela? Como pude ser tão cruel?
Assisti ao meu velório, e tive a resposta de uma pergunta que eu sempre fazia em vida: "se eu morrer, quem vai chorar por mim?". Muitas pessoas estavam lá, pessoas que eu nem imaginava que se importavam comigo. Confesso que era perceptível que algumas estavam lá apenas por educação, mas a grande maioria estava realmente muito triste e chocada, estavam lá para prestar uma última homenagem a alguém que eles tanto amavam, mas que, infelizmente, não se sentia amada, não foi capaz de enxergar tanto amor. Familiares, amigos de infância, amigos dos tempos da faculdade, amigos do trabalho, minha melhor amiga e até aquele amor que eu nunca me esqueci, que ainda dilacerava meu coração e me fazia chorar todas as noites antes de dormir. Todos choravam muito, inconformados com o que eu havia feito. Olha quanta dor eu estava causando! Eu podia ler os pensamentos de cada um naquele momento. Tudo o que sentiam era dor, vazio, desespero, inconformação. Vi também o meu enterro, ainda mais triste! E, naquele momento vi também quanto amor eu havia ignorado por acreditar que não existia...
Após tudo isso, veio o filme de tudo o que ainda estava reservado para eu viver se não tivesse feito o que fiz: me vi em uma sala de aula, realizando meu sonho de ser professora do nível universitário, a melhoria de minha situação financeira, que me renderia todas as coisas que sempre almejei, no plano material, vi meu casamento com uma pessoa que eu amava muito e que me amava também, vi duas crianças correndo por um lindo parque numa tarde de domingo, vi uma vida de alegrias e problemas, mas que eram encarados e resolvidos com tranquilidade, vi minha morte estando bem velhinha, depois de uma vida plena e feliz...
Meus olhos encnheram-se de lágrimas e, pela primeira vez, senti o peso do arrependimento. Se eu pudesse voltar atrás... meu Deus, por que deixei o desespero tomar conta de mim? Por que não acreditei que Deus nunca desampara Seus filhos? Por que fui tão egoísta e não pensei na dor que as pessoas sentiriam com minha morte, principalmente meus pais? Foram os piores segundos que passei... a dor na minha alma era tão intensa que parecia que eu podia tocá-la...
Após aquela eternidade de dor e tristeza, Deus disse-me que já havia decidido o que faria comigo. Naquele instante, tive a certeza de que ele me mandaria direto para o inferno, por tudo o que eu havia cometido, pelo imperdoável pecado do suicídio... mas eu merecia! Embora tivesse medo, sabia que merecia o pior dos castigos pela bobagem que fiz...
Então, com Sua mão abençoada Ele tocou levemente minha cabeça... acordei em minha cama, assustada, suada, quase sem conseguir respirar! Olhei tudo ao meu redor. Estava tudo exatamente como havia deixado na noite passada, antes de me deitar.
Seria um sonho? Seria uma segunda chance que Ele havia me dado? Não sei. Nem quero arriscar. De hoje em diante, apenas viverei a minha vida da melhor maneira possível, pois talvez essa seja a única chance que terei de estar viva, de poder sentir a dor e a delícia de estar no mundo, amando, sorrindo, chorando e dedscobrindo o verdadeiro objetivo da vida...
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