Acordo todos os dias às 5h25 da manhã, fico mais de uma hora dentro de um ônibus lotado para chegar ao trabalho, passo por poucas e boas em um ambiente corporativo composto por um monte de funcionários públicos que ganham muito mais do que eu e simplesmente fingem que trabalham, carrego 4 setores nas costas, ouvindo um monte de gente chamar o meu nome o dia todo e me passar os mais diversos serviços, sou cobrada o tempo inteiro, sem nunca receber sequer um elogio ou uma palavra de reconhecimento, tenho que fazer o trabalho dos outros, sou completamente ignorada quando peço ajuda, tenho que ser autodidata e vidente, além de ter nervos de aço para conseguir passar 8h24 dentro deste ambiente sem surtar, sem detalhar a parte de que, desde que coloquei os pés nesta referida empresa, há quase dois anos, jamais tive um treinamento completo e decente, tudo o que sei foi construído com a bondade e boa-vontade de uma ex-funcionária, que ajudou o quanto pôde e sem ganhar nada por isso (a pessoa em questão terá minha gratidão eterna, pois foi um anjo na minha vida) e com o meu esforço em aprender errando, buscando soluções e tentando aprender sozinha.
Como se isso não bastasse, junto todas as forças que ainda restam (que não são muitas, afinal, a desmotivação é uma doença que, quando ataca, vem para destruir tudo o que você construiu com tanta luta e esforço, pois ela tira a sua vontade de agir e você acaba negligenciando tudo na sua vida) e vou para a faculdade, que foi um sonho que nutri por muitos anos da minha vida, mas que tive que adiá-lo por causa da falta de dinheiro, e me doía cada vez que via meus amigos da mesma idade que eu no 2º ou 3º ano e não podia evitar o pensamento de que nunca chegaria lá. Mas a sorte foi minha companheira, passei em um concurso público em 2º lugar (tecnicamente em 1º, visto que o 1º lugar, com apenas 0,04 pontos de diferença de mim, não ficou com a vaga), assumi o cargo e ganhei uma bolsa de estudos como benefício. Estou no 2º ano de um curso que não é o meu sonho de carreira, mas, mesmo assim, me traz muito orgulho e me surpreende cada dia mais, tornando-se o ideal que quero seguir para a minha vida neste momento.
Todas as pessoas da sua sala têm, no mínimo, 19 anos de idade, o que subentende que são todos esclarecidos e maduros o suficiente para encarar a seriedade e a dificuldade de se fazer um curso superior. É aí que está o engano. Algumas pessoas agem igual, ou até pior, do que crianças de 8 ou 9 anos. Inclusive, vejo coisas que nunca vi alunos fazerem nem quando eu estava na 2ª série do Ensino Fundamental.
Obviamente, os professores se irritam com este tipo de comportamento, afinal, eles não passaram vários anos de sua vida estudando e se especializando para bancarem as babás dentro da sala de aula. Aliás, se eles quisessem assumir este papel, com certeza estariam dando aulas para o jardim de infância, e não adquirindo sólidos e novos conhecimentos para transmiti-los aos que, eles julgam, ser o futuro do país. Sinceramente, eu não sei e nem me interessa saber quem paga a faculdade desses indivíduos, mas devo admitir que se são os pais deles tenho muita pena do dinheiro que eles estão jogando no lixo, sem sequer imaginar que seus filhos, além de não absorverem nenhum conhecimento durante a aula, ainda atrapalham aqueles que estão interessados em aprender.
Não vou dizer que sou uma santa, pois estaria mentindo. Não vou dizer que não converso em nenhuma aula, que sou uma aluna exemplar, super estudiosa e que só tiro notas maravilhosas, pois seria tudo conversa fiada. Mas uma coisa eu posso dizer com toda a certeza desse mundo: nunca atrapalhei o ensino de ninguém. Se eu não estou afim de assistir a uma aula, se não é um assunto que desperte meu interesse eu simplesmente me retiro da sala ou nem vou para a faculdade, pois tenho essa consciência de que a minha liberdade termina aonde começa a do outro e eu não tenho o direito de incomodar os outros que estão interessados em aprender. Violar este direito do outro é ir na contramão de todas as regras de bom convívio social. Eu estou pouco me lixando se o cara acha que porque ele paga a porcaria da mensalidade, tem o direito de entrar na aula só para ganhar uma maldita presença e ficar infernizando a vida dos outros.
Eu converso durante a aula? Não posso mentir: às vezes, sim. Mas procuro respeitar ao máximo quem está ao meu lado, falando baixo. Odeio alguns professores e acho suas disciplinas insuportáveis? Sim. Mas nem por isso atrapalho a aula do cara por pura vingancinha ridícula. Eu não tenho mais idade para esse tipo de imbecilidade, e nem estou indo para a faculdade para fazer networking. Se o meu objetivo central fosse fazer amigos e me tornar popular, sinceramente iria para alguma balada na Vila Olímpia, não para um local onde terei que ficar três horas e pouco sentada numa carteira desconfortável ouvindo assuntos que muitas vezes não chamam nem um pouco a minha atenção, depois de um longo dia de trabalho estressante.
Como se isso não bastasse, por causa das atitudes imbecis de 5 ou 6 pessoas, uma sala de aula inteira paga, pois os professores se irritam com aquele pequeno grupo e acabam descontando sua raiva em todos os que estão ali, inclusive os interessados em aprender.
Aconteceu comigo ontem e, dificilmente, eu me abalo com este tipo de coisa, mas, nesse caso, não teve como: estava em uma aula de Matemática Financeira, com a HP na mão, a apostila na carteira, as folhas de fichário espalhadas pela mesa, copiando matéria da lousa e tentando entender aqueles malditos exercícios de juros compostos, povinho lá do fundo conversando e rindo em tom altíssimo, como sempre, quando surgiu uma dúvida numa passagem do exercício. Esperei que o professor terminasse sua explicação, ergui a mão, exatamente no mesmo momento que um amigo meu, e expus minha dúvida que, inclusive, era a dúvida dele também. Estávamos quietos, eu, pelo menos, não havia proferido uma palavra sequer nesta aula, justamente porque eu queria prestar atenção máxima nestes exercícios, pois na P3 que fizemos percebi que não estou tão bem nesta matéria quanto imaginava, vi que meus conhecimentos sobre juros compostos não ajudam muito, uma vez que a HP é a protagonista deste espetáculo e eu ainda não me familiarizei com ela.
O referido professor, em um tom bem hostil e debochado, disse que nossa dúvida não era problema dele, que é claro que não havíamos compreendido, já que o fundo da sala não calava a boca, falava mais que um monte de “putas velhas”. Após este show de falta de respeito e educação, simplesmente nos ignorou e voltou a explicar a matéria olhando para o pessoal que senta na frente. Confesso que na hora, o choque foi tão grande que eu não consegui responder nada, fiquei olhando para ele e me perguntando o porquê daquela atitude, já que não éramos nós que estávamos conversando. Ao final da aula, com o sangue quente, os olhos marejados e muita raiva daquela humilhação pública, fui até a sala dos professores, acompanhada do amigo que levou o carão junto comigo, questioná-lo sobre o porquê daquela atitude extremamente grosseira e desnecessária, uma vez que estávamos quietos. Com a prova dele nas mãos, que eu havia acabado de receber, mostrando uma nota 7,5, me senti no direito de saber porque fui tratada daquela maneira. Ele veio argumentando que somos bons alunos, mas que a sala estava uma zona e que nós somos responsáveis por manter os caras de boca fechada. Explicamos para ele que já se tentou de tudo dentro daquela sala, mas que essas pessoas não se tocam e continuam tumultuando as aulas. O que nós podemos fazer? Virar para trás e mandar todo mundo cala a boca? Comprar um revólver e meter bala na cabeça de todo mundo? Desde quando sou pai e mãe de algum deles para ditar regras e impor respeito? Isso não é obrigação minha! Se eles não estão afim, o problema não é meu. Meu aprendizado não pode ficar comprometido por causa da infantilidade e irresponsabilidade dos outros. Ele pediu desculpas se “de alguma forma” o que ele disse nos ofendeu (e por que ofenderia, não é?), mas continuou mantendo sua posição de que nós é que devemos colocar ordem na sala. Saí dessa conversa tão nervosa que acabei descobrindo o que significam as crises que andei tendo nos últimos dias, com pontas dos dedos e boca formigando: nervoso.
Depois deste fato, fiquei ferida de morte. Até quando os justos terão que pagar pelos pecadores? Eu entendo perfeitamente o lado do professor, afinal, deve ser muito difícil dar aula nestas condições, com uma sala contendo pessoas incapazes de agirem como adultas, mas isso não dá a ele o direito de fazer o que fez, pois eu não posso ser responsabilizada pelo comportamento alheio.
É nestas horas que me pergunto até onde querer agir da melhor maneira possível é vantajoso. Eu sempre tento dar o melhor de mim em todos os quesitos da minha vida, mas tudo que tenho recebido em troca nos últimos tempos é descaso, broncas, ignorância e muitos motivos para me decepcionar com a vida e com o mundo. Depois as pessoas ainda me perguntam por que eu estou desmotivada, por que eu não tenho mais vontade de viver, nem de trabalhar, nem de ir à faculdade, nem de fazer qualquer outra coisa nessa vida! Parece que quanto melhor tentamos ser, pior é, e quando essas coisas vão se repetindo dia após dia, acabamos sendo contaminados pela parte ruim. Já que ser bom não me traz vantagens, que sejamos maus então. Pelo menos assim ninguém sofre. Vejo pessoas que não merecem chegar ao topo, mas, mesmo assim, estão lá, enquanto pessoas que se esforçam muito estão sempre degraus abaixo. E eu pergunto: é isso que é justiça? Quantas pessoas lutaram para passar de ano na raça, fizeram um monte de exames, estudaram como loucos e passaram, enquanto soubemos de pessoas que ganharam 2 ou 3 pontos dos professores no final do ano e agora estão sentados na mesma sala que nós, atrapalhando o nosso desempenho?
A minha pergunta é uma só: até quando a inversão de valores será tão grande? Até quando o mau sairá ganhando em tudo?