Objetivo

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Aparências


A vida vai passando rapidamente pela minha janela enquanto eu gasto o meu precioso tempo me preocupando com assuntos pequenos, quase insignificantes. Parece que às vezes me esqueço de que eu posso morrer a qualquer momento e desperdiço minha existência com medos idiotas, com ódios inúteis, com horas de sono desnecessárias, com pudores ridículos, com traumas infantis, com crises de ansiedade e depressão, esperando por pessoas que não se importam com a minha existência, preocupada por estar fora dos padrões de beleza e comportamento impostos pela sociedade e pela mídia. Gasto tanto tempo me preocupando com a opinião dos outros a meu respeito e com os seus sentimentos, que acabo me esquecendo de que a opinião mais importante para a minha vida, a que realmente pode mudar radicalmente minha maneira de agir e pensar, é a minha, e que os sentimentos que mais devem ser analisados e considerados por mim são os meus, pois anular a vida para viver a vida do outro, de nada vale. Não existe recompensa para a bondade na Terra. Não existe reconhecimento para as pessoas que amam e se dedicam demais aos outros. Nesse mundo de hoje, tudo é um grande jogo de interesses. São poucas as pessoas que realmente têm um ato de bondade e desprendimento, que dão o melhor de si sem esperar nada em troca, que o fazem simplesmente porque aquilo faz parte de sua índole. A nossa vida parece ter virado um enorme comércio, onde vendemos nosso sorriso em troca de um elogio, vendemos uma imagem perfeita, o amor não é mais amor, e sim uma veneração à aparência, os sentimentos de amizade foram quase todos substituídos por troca de favores, e a alegria que antes fazia parte da vida das pessoas, hoje se transformou no estresse dos longos dias de trabalho, nas tensões causadas pelas cobranças que sofremos todos os dias, de todos os lados, na frustração de alguém que queria seguir um caminho diferente do qual foi empurrado, na tristeza de não ser perfeito como o mundo e as pessoas exigem que sejamos, na dor de suportar tudo calado e fingindo que está tudo bem, que se é mais um em meio a uma multidão de pessoas indo e vindo todos os dias, fingindo que são importantes e têm objetivos na vida... porque, hoje em dia, somos tão pressionados a ser lindos, sarados, inteligentes, dinâmicos, sorridentes 24 horas por dia, maravilhosos e perfeitos, que gastamos todo o nosso tempo e energia tentando conquistar esse ideal impossível, pois ninguém é capaz de ser tudo isso de uma vez, e acabamos comprometendo a nossa felicidade. E o charme da vida e das pessoas está exatamente no fato de que ninguém é igual, e de que cada um se vira com as qualidades que lhe foram confiadas. Mas, não. Queremos sempre mais. Queremos que nosso cabelo seja liso, se ele é crespo. Se ele é liso, é liso demais, e fica sem graça. Queremos um corpo perfeito, mas não nos contentamos em ter todos os membros, nossas funções vitais funcionando e uma boa saúde, queremos vestir manequim 36 e ser glamurosos como os modelos das revistas e as atrizes da novela das oito, sem perceber que, na era do photoshop, qualquer um consegue parecer perfeito na capa da Playboy, e que um corpo bonito não traz felicidade a ninguém, e que as pessoas que não estão dentro dos padrões de beleza também são gente, também têm sentimentos e merecem respeito, atenção e amor, como todas as pessoas do mundo, independente de sua cor, raça, estatura, tipo físico e classe social.
Analisamos as pessoas de maneira superficial. Quantas e quantas vezes ouvi minha mãe dizer, ao contar histórias de separação de casais, a seguintes frases: “não sei como ele a deixou, ela é tão bonita!”. “Fulano não merece sofrer, ele é tão lindo!”. Como se apenas as pessoas feias tivessem que sofrer, que beleza é um pré-requisito que te coloca à frente das outras pessoas, como um ser superior.
Mas, então quer dizer que beleza é tudo? Porque se alguém me convencer de que é, eu juro que largo a faculdade agora, me matriculo numa academia, faço aquelas dietas loucas de “perca 20 quilos em um mês”, depois dou uma boa lipoaspirada, coloco um silicone nos seios, um botox na cara, dou uma alisada no cabelo, malho 12 horas por dia, e nas horas que sobrarem faço um networking, vou para a balada seduzir os carinhas, beijar 20 numa noite só, talvez voltar para casa acompanhada por um deles, de preferência o mais sarado da balada, para que eu possa matar as minhas amigas de inveja, e passar o restante dos meus dias condenada a nunca me prender a ninguém, pois a beleza abre meu leque de opções, e escolher um só não tem graça nenhuma, é muito pouco para a minha perfeição.
É este o conceito de felicidade? Felicidade virou sinônimo de futilidade? E a inteligência? E o sorriso encantador que compensa qualquer quilo a mais que possa existir? E os sonhos de se dividir a vida com alguém normal, que saiba apreciar uma boa conversa, sem se importar com o que está vendo, não conta? Será que somos todos obrigados a deixar de comer tudo o que gostamos, apenas porque a moda agora é ser magérrimo e lindo? Será que sou obrigada a andar na rua me sentindo culpada porque não tenho as medidas da Gisele Bundchen?
Até quando seremos escravizados pela podridão das aparências? Quantas auto-estimas mais sacrificaremos para manter este padrão de qualidade? Quantas pessoas mais faremos infelizes para fingir que somos perfeitos, que agimos e pensamos sempre da maneira correta, e que só existe uma fórmula para a felicidade? Por quanto tempo continuaremos mentindo para nós mesmos, acreditando que seremos felizes apenas quando atingirmos o grau máximo exigido pelo mundo, apenas para fugir das frustrações que carregamos conosco?
Até quando vamos ignorar os sentimentos das pessoas e agir como objetos? Até quando aceitaremos ser um simples pedaço de carne no enorme açougue da vida?
Eu não sou só isso. Eu tenho sentimentos. Posso não vestir manequim 36, mas também sonho em encontrar um grande amor e constituir família. Posso não ter uma carreira de sucesso e muito dinheiro no bolso, mas nem por isso não mereço ser feliz. Posso não estar estampada na capa da Playboy, mas também tenho a minha beleza. Pode não ser a beleza dos padrões internacionais, mas é uma beleza natural, que vem de dentro para fora.
De nada adianta um físico impecável e um rosto maravilhoso se eles escondem um coração podre.

“As flores são bonitas em qualquer lugar do mundo. Muita gente tem forma, mas não tem conteúdo”. (Charlie Brown Jr).

(Desabafo de alguém que há 22 anos sofre a Síndrome do Patinho Feio, foi educada para ter uma auto-estima péssima e sofre crises de ansiedade e depressão por sentir-se marginalizada pelas imposições do mundo).

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