Objetivo

terça-feira, 6 de abril de 2010

Paciência

Não é fácil fazer alguém feliz quando você mesmo não está feliz. Mas quando se é mãe, isso é necessário, porque aquela criança depende dos seus ensinamentos para construir o alicerce de sua formação pessoal. Por isso, ensinar frustração a uma criança, é pré-fabricar um adulto problemático, pois a frustração virá enraizada nela, como uma rotina de vida.

Muito do que somos vem dos nossos pais, pois primeiro vemos o mundo com os olhos deles, para depois desenvolvermos um olhar próprio, que mesmo sendo nosso, continua contaminado pelo olhar deles.
A sua percepção a respeito da vida e das pessoas, com certeza, é a mesma dos seus pais. Se você é uma pessoa psicologicamente saudável e repleta de amor-próprio, você é capaz de desenvolver sua própria percepção, baseado nas coisas que você vê. Agora, se você é uma pessoa insegura e com desenvolvimento distorcido, a percepção de vida dos seus pais ficará enraizada em você de tal maneira que, mesmo vendo que ela não mais condiz com seu presente, você não consegue se desfazer dela, ela te escraviza e rege e sua vida.
Meus pais são pessoas espetaculares, honestos, de bom coração e de valores nobres, mas, infelizmente, como muitos outros pais, falharam em alguns pontos cruciais na educação dos filhos.
Eu e meus dois irmãos temos uma característica em comum que, por mais que minha mãe negue, só pode ter vindo da educação que nos foi dada: autoestima extremamente baixa. Estamos sempre nos sentindo inferiores aos demais, incapazes e sempre buscando amor e aprovação das outras pessoas.
Minha mãe é uma pessoa extremamente problemática, graças a criação completamente rigorosa e sem amor que teve em sua casa, com uma mãe submissa e um pai frio e pouco participativom onde ela não tinha nenhum tipo de voz ou opinião. Sua primeira depressão surgiu aos 15 anos, seguidas de sucessivas crises, cada vez mais fortes. Com ela, antes mesmo de aprender qualquer coisa sobre amor, eu aprendi sobre sofrimento. Talvez, por isso, não seja incomum o fato de eu, aos 24 anos, já ter enfrentado crises fortes de depressão, ansiedade e compulsão alimentar, e simplesmente não saber ser feliz. Com ela, antes mesmo de aprender qualquer coisa sobre aceitação, eu descobri que ela não queria que eu nascesse. Talvez isso explique porque eu tenho sempre a sensação de que não sou benvinda e de que as pessoas fingem gostar de mim por obrigação.
Meu pai foi um homem de vida muito sofrida. Nordestino, vindo de família grande e pobre, com um pai alcoolatra e uma mãe humilhada, sofreu diversos tipos de maus tratos, físicos e psicológicos. É um homem admirável e forte, pois apesar de tudo o que sofreu, foi capaz de constituir uma família e de tratá-la com amor e respeito. Foi um excelente pai, o único problema é que nunca foi um homem de muitoas palavras e nem expressões. Com ele, antes mesmo de aprender qualquer coisa sobre amor, aprendi a angústia causada pelo silêncio. Antes mesmo de aprender qualquer coisa sobre aceitação, aprendi a lutar incansavelmente por um minuto de sua atenção. Talvez seja por isso que eu só consiga me relacionar com homens emocionalmente inacessíveis, com os quais travo lutas incessantes para despertar sua atenção e interessem e geralmente sou ignorada por eles.
Eu jamais havia associado meus comportamentos aos meus pais, até começar a notar que eles se tornaram padrões repetitivos na minha vida, e depois de muito sofrer, passei a pesquisar sobre o assunto e a fazer terapia e, então, tive a grande surpresa: somos apenas uma reprodução dos padrões de comportamento de nossos pais.
Meu primeiro sentimento ao descobrir isso foi revolta, me senti traída por eles, que me deixaram desprotegida quando eu mais precisei de conforto. Conforme fui ficando mais velha e adquirindo mais experiência de vidam percebi que eles não são culpadosm simplesmente porque não somos capazes de dar aquilo que não tivemos. Como meus pais poderiam me ensinar algo que não aprenderam? Então eu percebi que eles apenas fizeram o melhor que podiam por mim, com os recursos que tinham.
Meu maior pavor como mãe, hoje, é perceber que estou repetindo com meu filho o mesmo padrão que aprendi com meus pais. No nosso relacionamento, estou focando muito mais a ausência do que a presença, estou sufocando o nosso amor com as faltas que existem dentro de mim. Nada desses sentimentos são dele, até porque ele ainda é novo demais para compreender sobre ganhos e perdas, está ainda sendo iniciado no amor, descobrindo os sentimentos. Mas, sem querer, eu estou incluindo a minha dor e a minha frustração no nosso relacionamento, estou minando nosso amor com meus sonhos destruídos.
Estou deixando o encanto da maternidade ser ofuscado pelas pequenas adversidades do dia a dia, que estão sendo maximizadas pela infelicidade constante que eu fui ensinada a sentir desde muito pequena.
Sei que estou errando, confesso e admito isso com muita tristeza, porque eu não quero que meu filho seja uma cópia minha, porque não quero que ele sofra. Quero que ele incorpore em sua vida os princípios de honestidade, bondade, lealdade, respeito, amor e dedicação que aprendi com meus pais, mas morreria de culpa se ele crescesse inseguro, infeliz, angustiado, perturbado, confusom com autoestima baixa ou com sensação de incapacidade. Tenho esse pavor porque amo demais o meu filho, e sei o quanto essa bagagem desnecessária pesa em nossas vidas quando nos tornamos adultos, porque eu a carrego. Não quero ver meu filho sofrer de maneira nenhuma. Mas o fato de eu ser tudo isso descrito acima também não significa que meus pais não me amem, eles apenas não tinham consciência de que estavam me fazendo um mal.
A questão aqui é que eu já tenho consciência do mal que posso causar ao meu filho se repetir os padrões que foram usados comigo, e a consciência nos habilita a realizar mudanças. E eu tenho muito medo de falhar, de não ser capaz de promover essas mudanças, de fazer mal ao Rhian por ser incapaz de quebrar os padrões enraizados em mim. Neste momento da minha vida, é exatamente isso que está acontecendo: estou permitindo que o meu desespero vença o nosso amor.
Há uma mágoa corroendo meu coração há muito tempo, que é o abandono do pai do meu filho, e, infelizmente, essa dor tem tomado conta da minha vida. Durmo e acordo pensando nisso, vivo e morro todos os dias em meio a falsas esperanças, esperando palavras de amor que nunca vêm. Não consigo aceitar que meus sonhos foram destruídos, que a vida que almejei não vai se tornar real, e essa insistência está me matando um pouco por dia, há anos.
Mas meu filho não tem culpa disso, e a sua inocência atiça minha culpa todos os dias. A ele não importa o que aconteceu entre mim e seu pai, importa apenas que ele nasceu e que precisa de nós dois para ser feliz. Isso significa que eu preciso passar por cima dos meus sentimentos para fazê-lo feliz, que não importa o quanto a dor esteja machucando meu coração: primeiro eu cuido dele, para depois cuidar das minhas próprias feridas.
Porque essa é a missão de uma mãe: iniciar seu filho na vida, dar a ele o melhor de si para que ele possa dar o seu melhor ao mundo, para que possa viver da melhor maneira possível e usufruir de tudo que uma existência saudável pode trazer a uma pessoa.
Eu amo meu filho demais, e não quero ser responsável por nenhuma dor que ele virá a sentir no futuro. Meu instinto é protegê-lo de todos os males do mundo, mas nem sempre vou conseguir isso, e, com certeza, algumas vezes ele sofrerá, mas eu preciso armá-lo com todos os sentimentos necessários para que ele passe por suas crises com a cabeça erguida e com a certeza de dias melhores. Quero ensiná-lo que ele é uma pessoa única, de muito valor, e que merece respeito, carinho, amor e dedicação totais, e que qualquer pessoa que não der a ele tudo isso, não merece um segundo sequer do seu tempo e de suas lágrimas.
Não quero ensinar soberba e nem orgulho, quero apenas que ele tenha amor-próprio, que é a melhor arma contra qualquer pedra que possa surgir no meio do nosso caminho. Meu desafio agora é ensinar algo que eu não aprendi, enfim, aprender primeiro para poder ensiná-lo depois.
Tenho medo, sim, mas sei que o amor me guiará. Quero ser a mãe que meu filho merece ter. Esquecendo o passado, corrigindo o presente e construindo um futuro feliz.

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